Editorial da sétima edição

O objetivo dessa edição é homenagear Marielle Franco, ex-aluna da PUC-Rio, publicando artigos científicos com temáticas que circundam as suas pautas de lutas e de vida. A Dignidade Re-Vista é um periódico acadêmico destinado ao debate interdisciplinar sobre os Direitos Humanos e valores cristãos e nesta edição contamos com 14 artigos, 2 entrevistas e 1 resenha. Para que essa publicação ocorra foi necessária a participação de 23 autoras e autores, 6 entrevistadores.

Os artigos “A administração da morte de Marielle Franco por parte do Estado” e “O enfrentamento aos grupos de extermínio e às milícias no Rio de Janeiro” analisam as narrativas da polícia e da Comissão Parlamentar de Inquérito das Milícias sobre a investigação da execução, assim como o trabalho de diferentes instituições no processo de investigação. Já outro artigo investiga discursos redutores da figura da vereadora, colocando-a apenas como “mais uma vítima da violência no Rio de Janeiro” levando à negação da dimensão simbólica do caso, com o nome “‘Mais uma vítima?’: Discurso do medo no Rio de Janeiro e a negação da dimensão simbólica da morte de Marielle Franco”.

Em sequência, temos o artigo “Disputas narrativas pela memória de Marielle”, que discute a memória coletiva formada em torno dos eventos públicos em constante disputa política, que busca refletir sobre algumas das diferentes forças e motivações por trás dos discursos que surgiram após o assassinato da vereadora. “As fake news e o Estado pós-democrático de direito: desafios à proteção de defensoras e defensores de direitos de dignidade” apresenta como as notícias falsas podem ser utilizadas enquanto eixo de desarticulação das lutas das defensoras e defensores de direitos de dignidade. E o artigo “Aproximações entre Foucault e Mbembe: a bio/necro política no devir sujeito dos que não importam” demonstra que o conceito de biopolítica de Foucault é a base para a necropolítica do Mbembe.

Na chave de respeito e valorização das diferenças étnicas e socioeconômicas está o artigo “A vivência e subjetivação de bolsistas negros em uma universidade privada de elite”, que investiga os aspectos da vivência e subjetividade de alunos bolsistas negros dentro de um ambiente universitário tomado como espaço de elite. Este artigo dialoga com a Marielle universitária, bolsista da PUC-Rio. E também trouxemos o artigo “A inconstitucionalidade das Leis Municipais que proíbem o ensino da chamada ‘Ideologia de Gênero’”, que tem como objetivo principal expor a incompatibilidade da Constituição Federal com as leis municipais que visam abolir da sala de aula a discussão sobre gênero.

Além disso, há trabalhos que enfatizam a dimensão cristã presente no exemplo de vida e na militância política de Marielle Franco como o trabalho “A mística profética de Marielle Franco”.  A homenageada desta edição teve uma vida dentro da Igreja Católica como catequista e esse artigo ressalta o aspecto profético de sua vida e luta. E o trabalho “A manhã renascer esbanjando poesia: arte e resistência” discute os ataques à intelectualidade e à arte, mas que traz uma perspectiva de esperança e força para resistir.

Finalmente, temos um conjunto de artigos sobre a mulher e os Direitos Humanos. São os artigos “Brasil o seu nome é Dandara, o legado de Marielle e a luta por direitos humanos e cidadania para mulheres negras”, que demarca o legado de luta que Marielle deixou, em busca da representatividade política das mulheres negras no Brasil. O trabalho “Pensando a interseccionalidade a partir da vida e morte de Marielle Franco”, que comenta como Marielle teve uma experiência interseccional e militava de forma integral como mulher, negra, pobre e com uma relação homoafetiva. E “Identidade e representatividade na trajetória e no discurso de Marielle Franco”, que busca compreender quais são os efeitos políticos e sociais que ela, enquanto figura política e social, causou na esfera pública e privada e também entender quais são os impactos da luta das mulheres na história, no discurso e na trajetória política de Marielle.

Nesta edição, também trazemos duas entrevistas e uma resenha. Uma das entrevistas é a “A trajetória de Marielle Franco na graduação em Ciências Sociais na PUC-Rio: uma entrevista com Ricardo Ismael” e a outra é a “Entrevista com Talíria Petrone sobre o legado político de Marielle Franco”. A resenha publicada é “O que é lugar de fala?” sobre o livro de Djamila Ribeiro com o objetivo de analisar o racismo no Brasil e a importância do feminismo negro.

Editorial produzido por: Maria Rafaela Paixão

___________________________________________________

Texto de apresentação da sétima edição - Produzido por Anielle Franco

Lutemos

Hoje milhares de pessoas gritam “Marielle Presente”. E de certa forma, esses gritos tornaram-se um ato de resistência para muitas e muitos. Mas isso requer coragem. Não é qualquer pessoa que assume lados e toma para si responsabilidades de luta e militância nos dias de hoje. Não é qualquer pessoa que decide estar ao lado da resistência, ao lado de quem luta pelos direitos dos humanos, e ao lado de quem clama por justiça por um crime político. Pedir justiça por Marielle é como lutar por muitos grupos de minorias que ela representava arduamente em sua trajetória política e de vida. Grupos esses que, na verdade, são maioria nesse país afora. Passado um ano e alguns meses, percebemos um movimento iniciado por essa morte trágica e covarde, que invade o peito de milhares de pessoas fazendo com que sigam muito mais fortalecidas, juntas, firmes, e ecoando uma só voz: a voz de Marielle Franco.

Voz essa que pode ser lida e sentida através dessa edição da revista acadêmica da pastoral universitária, que traz em poucos textos um breve resumo das causas e tudo mais que permeava a vida de Marielle. Temas que vão desde a administração da morte até a identidade e representatividade que ela trazia. Essa voz que impunha respeito, o fim dos padrões, e um combate constante ao racismo, patriarcado e a hétero normatividade. Essa voz que alguns insistem tanto em tentar calar. Na verdade, apenas insistem, mas não conseguem. Pois são trabalhos como estas publicações que nos dão ainda mais forças para seguirmos. Seguimos na dor, mas seguimos. Seguimos ecoando a voz de Marielle, mostrando sua essência, seus valores, sua trajetória, mesmo na dor, no preconceito, no racismo, no desrespeito. Seguimos com muito orgulho por termos a Mari sendo homenageada nessa edição da Dignidade Re-vista e ainda mais por saber que tantos jovens e tantas pessoas lerão artigos que contam um pouco de quem ela é. Mas seguimos, acima, de tudo com esperança de dias melhores.   

Mataram Marielle, e arrancaram de nós uma mulher que trazia em si todo afeto e comprometimento político que eu jamais vi em outra pessoa. Mataram também a filha, a mãe, a tia, a esposa, a madrinha e a irmã.  Eu queria que isso tudo fosse só um pesadelo, mas já tem mais de um ano desde o momento em que eu cheguei naquela rua no Estácio. Já tem mais de ano desde que eu recebi uma ligação que mudaria completamente minha vida para sempre. Já tem mais de um ano desde que eu ouvi e vi seu último sorriso largo, me chamando de “naninha”. Já tem um ano desde que almoçamos pela última vez e falamos sobre todos os nossos medos, anseios, expectativas, amores, sonhos e metas. Um ano inteiro e mais um pouco de saudade, dessa tragédia fatídica, angustiante e triste. E assim tudo mudou. Tudo mesmo!

Nesse ano, o que fizemos com nossa saudade e nosso luto foi algo que aprendemos com Marielle. A força daquela mulher veio da força da própria família, que, desde nossa bisavó, sempre lutou contra o machismo e estereótipos em seus momentos mais difíceis. Uma força que todo mundo percebia e admirava, do momento em que chegava até o momento em que saía. Hoje trago comigo memórias de uma irmã que sempre teve caráter, valores, um coração gigante, força, afeto, e que lutou incansavelmente por tempos melhores. Por isso, eu hoje sigo construindo nosso Instituto Marielle Franco e buscando ser um terço do que ela foi e sempre será. Dessa forma, eu espero que essa leitura fortaleça você, leitor ou leitora, tanto quanto a mim. Mesmo no meio de um turbilhão de coisas, nossa persistência em carregar o legado é grande.

Vamos em frente, na luta, na leitura, na mudança, na saudade, mas também com muito aprendizado e orgulho. Aprendemos que nossa luta vale a pena e que nossos valores devem nos acompanhar sempre. E me orgulho de ver o que ela se tornou e a maneira como invadiu esse mundão. Orgulho-me também em ver seu trabalho alcançando diversos países, mesmo que na sua ausência. E orgulho-me, ainda mais, em saber que minha mãe gerou aquela mulher e eu pude conviver com ela por 35 anos, tendo acesso ao seu lado político, de mãe, esposa, filha, amiga e irmã.

No meu peito, hoje, eu só tenho uma opção: seguir! Seguiremos lutando. Lutando por justiça e dignidade. Não nos calaremos diante de tantas atrocidades, e não recuaremos mesmo em tempos de fascismo. Por Marielle, eu luto, tu lutas e nós lutaremos.

Sigamos!

(Anielle Franco)

Publicado: 2019-07-31

Artigos

Entrevistas

Sessão Livre