“A paisagem é um muro” escreve Nelson Brissac ao iniciar as reflexões sobre o horizonte da cidade. Com desigualdades sócio-políticas, um ambiente saturado de edificações e ruínas, a cidade é o lugar contemporâneo da existência dos indivíduos e as transformações que ela sofre são impressas em nossos corpos que se tornam, então, índices dos espaços em que vivemos. A arte nesse campo pode se inserir muitas vezes como uma forma de re-existir disruptivo, uma fissura, um estranhamento dos fluxos de nosso dia a dia, ou, ainda, tornar visível, por meio de uma corpografia, um diálogo entre a cidade e o corpo. Para Paola Berenstein Jacques, a experiência corpográfica da cidade vai evidenciar e denunciar tudo aquilo que escapa, exclui e oprime do ambiente urbano.  

Diante desse indelével rastro que carregamos em nossos corpos a revista Prumo propôs em seu sétimo número o eixo temático Re-existir, arte e cidade que fez emergir discussões polissêmicas entre arte, arquitetura e urbanismo. Por vezes, em uma forma de provocação, os textos são convertidos em um campo de articulação de experiências no intento de promover outros trânsitos sobre essa re-existência em meio aos territórios urbano-opressores. Elegemos, então, um campo de batalha para o debate e este irá se mostrar, ora por escritas performáticas, ora por apontamentos filosóficos. E o entre destas escritas, quiçá, proporcionará olhares outros sobre as cidades.

Com o Rio de Janeiro abismado pela perda dos sonhos de um futuro, a revista inicia com um texto-provocação do Raphael Soifer. Este artigo — que transita entre espaços vocabulares da performance, antropologia e planejamento urbanístico — discute as diferentes manifestações da arte urbana em um período que antecede a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Ao compreender que a linguagem é um espaço de ambuiguidades, o autor aprofunda o debate ao justapor diferentes vozes e experiências em uma performance narrativa. Ainda refletindo sobre intervenções urbanas, a autora Catarina Flaksman, ao aproximar o trabalho “Museu do Homem Diagonal” da Renata Lucas e “Conical Intersect” de Gordon Matta-Clark, destaca como a arte questiona o caráter transitório das cidades e nos permite imaginar diferentes cenários. Em seguida, Daniel Nascimento reflete sobre a experiência errante como uma insurgência dos corpos nos territórios para gerar novas narrativas e atualização dos espaços.  A partir de um olhar mais direto sobre a paisagem arquitetônica em abandono, Rafael Souza assinala a arquitetura como um “volume escultórico descontextualizado” e um “painel de representações” de diferentes manifestações visuais.

Subsequente a esse grupo de artigos, apresentamos o ensaio analítico de André Caetano sobre a obra projetada do Pavilhão Barcelona de Mies Van de Rohe a partir do conceito de reexistência e experiência corpográfica. A seguir  Juliana Sicuro e de Vitor Garcez apresentam o projeto do escritório OCO para o Museu Bispo do Rosário e o Museu de Imagens do Inconsciente,em que a prática projetual se coloca como um instrumento político.

Como um eco que não cessa a fala, diria Blanchot,  a artista Luiza Baldan produz uma escrita-obra que costura uma quase-deriva narrativa sobre a experiência da paisagem urbana da cidade de São Paulo.  No texto da Paola Barreto e do Lucas Amorim o espaço urbano é o lugar para um importante estudo sobre corpos negros em diáspora que, mesmo carregados por marcas coloniais, re-existem a partir de estratégias diversas, entre elas a prática artística contemporânea. Lucas Parente, por sua vez, faz um atravessamento filosófico do conceito de Zona e de stalker (acossador) para repensar a questão espaco-temporal e suas implicações sobre o urbanismo e a teoria da arte. Já no artigo de Adriana Sansão, Fernando Espósito e Sergi Arbusà as instalações dos infláveis do coletivo artístico Penique Productions são o objeto de debate para aproximar arte, arquitetura e cidade. Israel Nunes e Lucia Maria Costa por meio de um ensaio projetual na cidade de Ilhéus, Bahia, enlaçam as artes visuais e as teorias da paisagem para a construção de um novo sentido coletivo de lugar. Mariana Bertoche fecha o grupo de artigos analisando trabalhos de Marcelo Brodsky, o Memorial de Resistência de São Paulo e o Ocupa Dops no Rio de Janeiro para abordar a importância da institucionalização de espaços de memória da Ditadura Militar no Brasil e seus processos de violações de Direitos Humanos. Por fim, a revista encerra com a colaboração do Programa Imagens do Povo realizado pelo Observatório das Favelas na sessão Olhares. As imagens expressam o olhar crítico-autoral dos fotógrafos e nos mostram como a linguagem fotográfica é uma ferramenta político-social para uma re-existência dos indivíduos na cidade.

Deseja-se, que este número possa se tornar um estímulo às mais diversas abordagens sobre a temática e que a multiplicidade de olhares dos autores sobre as experiências e práticas urbanas contribua para um pensamento crítico.

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Publicado: 2019-11-14

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