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Jovens Olharesv. 6 n. 09 (2021)
A ideia de fazer esta edição da Revista PRUMO, especialmente dedicada a jovens pesquisadores, arquitetas e arquitetos, surgiu do desejo de difundir o frescor de ideias, achados e inquietações de quem está no início do caminho acadêmico ou profissional e que, assim como os mais experientes, enfrenta o atual contexto de pouco incentivo à pesquisa no Brasil. Desde a sua primeira edição, a PRUMO preza por promover um espaço aberto ao pensamento crítico sobre o viver contemporâneo e os seus imensos desafios; nesta edição, esse espaço é alargado para acolher “jovens olhares”.
Em 2019, a comunidade científica e acadêmica brasileira passou a sentir duramente os impactos da agenda política implantada no país. Bloqueios e reduções orçamentárias na CAPES e no CNPq — as duas principais agências federais de fomento à pesquisa no Brasil — vêm manifestando um desincentivo calculado sobre a educação, ciência e tecnologia. Além de significarem um abalo ao desenvolvimento, tais ações representam forte ameaça à construção do conhecimento e, em última instância, tratando-se em especial das ciências humanas, revelam a intransigência ao pensamento crítico e inventivo.
É em meio a esse duro contexto que lançamos esta edição da revista PRUMO, com a certeza de que é justamente na academia e na ciência que podemos refletir sobre a nossa condição, nossa história e os possíveis desenhos do nosso futuro — pelo conhecimento construído e debatido no coletivo. Nada melhor do que invocar mentes mais jovens e irrequietas para ventilar nossa revista nestes tempos de desmontes e incertezas. Pensando nisso, juntamos um grupo de maioria graduada nos últimos seis anos, autoras e autores que compartilham conosco o início de sua produção.
Não podemos deixar de mencionar o duro desafio de conceber e produzir esta edição em meio à pandemia sanitária que ainda nos assola e que, com muito pesar, nos levou queridos colegas de trabalho e de luta, como o professor Fernando Betim Paes Leme, ex coordenador acadêmico do DAU PUC-Rio e a professora Vera Hazan, editora do sexto número desta revista e, assim como Betim, integrante do seu Conselho Editorial. Conforta-nos a certeza de que as páginas da PRUMO perpetuarão os seus legados.
Iniciamos esta edição com uma entrevista realizada com o Coletivo Leve, formado pelo Superlimão Studio, Barão Di Sarno, H2C Arquitetura, Zoom Arquitetura e Vanessa Espínola. Na entrevista, o coletivo fala sobre as suas práticas e, em especial, sobre o projeto de uma estrutura provisória para o SESC Parque Dom Pedro II, em São Paulo.
A partir de sua experiência vivida em TECIDO-NÃO-TECIDO, Bárbara Cabral articula práticas artísticas e urbanísticas, entrelaçando os campos da arquitetura e da performance. A autora propõe uma espécie de “urbanismo imanente e do chão” de modo a subverter noções de programa em arquitetura e urbanismo.
Ao investigar a rede global de Internet, Michel Zalis revela que, por de trás de uma suposta aparência etérea e desmaterializada, existe uma imensa infraestrutura física que se apresenta como um sistema nebuloso, onipotente e ubíquo. Ao tomar a arquitetura do Data Center como estudo de caso, o autor aponta que a fisicalidade da Internet gera importantes impactos ambientais, sociais, urbanos e paisagísticos.
A modernidade e os diferentes modos de experiência do tempo são explorados por Beatriz Carneiro. A autora elabora o conceito de policronia e investiga as suas possíveis reverberações na arquitetura contemporânea a partir da análise do projeto de reconversão do Mercado Municipal do Carandá em Escola de Dança e Música de autoria do arquiteto português Eduardo Souto de Moura.
A Casa França-Brasil, único edifício público projetado pelo arquiteto francês Grandjean de Montigny ainda existente, é revisitada por Thiago de Almeida. O autor argumenta que a relevância do edifício está intrinsecamente relacionada ao seu caráter funcional indeterminado; e aponta a importância do projeto de Montigny para a prática arquitetônica contemporânea.
Bianca Lupo explora o conceito de terrain vague, cunhado por Ignasi de Solà-Morales, a partir da análise do Píer Mauá, localizado na região portuária do Rio de Janeiro e objeto de disputas urbanas desde os anos noventa. A autora argumenta que o planejamento urbano e a mídia se tornam fatores essenciais para nortear o pensamento arquitetônico contemporâneo.
Na sequência, apresentamos o projeto arquitetônico para o Museu Marítimo do Brasil de autoria de dois jovens escritórios: Messina Rivas e Ben-Avid Studio. O projeto foi vencedor do Concurso Nacional de Arquitetura, promovido em 2021 pelo Departamento Cultural do Abrigo do Marinheiro e pelo Departamento do Rio de Janeiro do Instituto de Arquitetos do Brasil.
Por meio do exercício de leitura de uma imagem fotográfica da cidade do Rio de Janeiro, tomada por Augusto Malta em 1908, Angela Ferreira da Silva busca trabalhar a inscrição da fotografia. No artigo, a imagem fotográfica é colocada como uma “chave de acesso” para recolocar questões ao fotógrafo a partir da tensão observada entre o que sua fotografia retrata e o que efetivamente “dá a ver”.
Em seu artigo, Yasmin Vieira discute a profundidade num nível mais subjetivo. À luz da fenomenologia de Maurice Merleau-Ponty, a autora faz considerações sobre a existência da profundidade como uma dimensão que estrutura a relação CORPO-ESPAÇO. A profundidade, como fenômeno, se torna potencialidade para a disciplina da arquitetura ao ser responsável pelo engajamento corpóreo.
A rua do Catete, na cidade do Rio de Janeiro, é amplamente explorada por Pâmela Paris Ávila. Por meio da imersão em campo pelo método da flânerie, a autora cria uma cartografia textual como ferramenta interpretativa. Esse método possibilita a percepção de outros “territórios” além daqueles presentes na cidade hoje.
A Ocupação Vito Giannotti localizada no Rio de Janeiro é objeto de estudo no artigo de Andressa de Sá. A autora disserta sobre a importância do projeto participativo, suas metodologias e de formar arquitetas e arquitetos com a capacidade de interlocução e mediação para melhor auxiliar na melhoria de condições de vida em ocupações de imóveis abandonados na área central da cidade.
Alice Sion e Marcos Favero discutem a relação entre infraestrutura e arruinamento a partir de uma investigação centrada no Morro do Sumaré, localizado no Rio de Janeiro. Tendo como pano de fundo aspectos relacionados à obsolescência de infraestruturas decorrentes do avanço tecnológico, os autores procuram discutir estratégias de ocupação no âmbito do projeto.
Os conceitos de Rizoma, Diagrama e Site/Non-site são explorados no ensaio de Leonardo Carrilho Filippo e Otavio Leonídio com o intuito de fazer emergir uma outra realidade, não mais pautada por uma lógica contextualista, linear e contínua. Para tanto, os autores propõem um grid ficcional como ferramenta que opera sobre a cidade factual do Rio de Janeiro.
Nathália Valente, Izabel de Oliveira e Nilton Gamba Junior apresentam um projeto de série audiovisual que difunde os quesitos de julgamento das escolas de samba do Rio de Janeiro em diálogo com o conceito de sustentabilidade comunicacional. O projeto analisa como o dinamismo dos sistemas multissensoriais contemporâneos pode propiciar uma processualidade que permita atualizações futuras.
Filipe Marino entrevista o prof. Dr. Peter Cox, da Universidade de Chester, autor dos livros The Politics of Cycling Infrastructure e Moving People: sustainable transport development, sobre o futuro da mobilidade urbana e os caminhos para a mobilidade ativa no cenário pós pandêmico.
Na tradução do ensaio de Saskia Sassen, a pesquisadora da globalização e da migração humana internacional desenvolve seu conceito de que a cidade possa ter uma voz. Seguindo exemplos quotidianos de dinâmicas “ritualizadas”, a socióloga elabora o que é produzir o urbano, o político e o cívico, ressaltando a importância da heterogeneidade em oposição à padronização e o controle por instituições.
O ambiente doméstico e o seu redor é retratado na seção Olhares por Amanda Rodrigues Vera, Gabrielle Rocha, Isabela Moraes e Julia Frenk. As quatro jovens arquitetas expõem visões familiarizadas do que temos vivido e revivido, visto e revisto no contexto pandêmico.
Fechamos a edição com a resenha do livro Arquiteturas da Ancestralidade Afro-Brasileira, que trata da investigação feita por Fábio Velame acerca do culto a ancestrais africanos e afro-brasileiros em Omo Ilê Agboulá. Ancorado em contextos históricos, relatos e vivências, Velame desenvolve e ilustra os fundamentos da cosmovisão do candomblé, evidenciando de que maneiras eles implicam na constituição da espacialidade do terreiro de culto aos Egum no Brasil.
Desejamos uma boa leitura!
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Não Temav. 5 n. 8 (2020)
Decidimos para este número oito da Revista PRUMO, diferentemente das edições anteriores, em não ter um tema específico. Aceitamos a multiplicidade de pensamentos como uma atitude de resistência democrática diante dos ataques despropositados à ciência, à cultura e à intelligentsia nacional. Daí nasceu NÃO TEMA – um rearranjo de palavras que à época, ecoava menos como um sinal de alerta, mas um conforto num tempo futuro, frente ao presente que se mostrava por demais obscuro. Mal sabíamos, então, que as páginas da história, ainda por se escrever, se mostrariam ainda mais sombrias e duvidosas. O mundo, como já se disse, talvez nunca mais seja o mesmo. Não tema. A luz que nos tira da escuridão, como já se sabe, é o conhecimento. Os desafios há anos apontados por pesquisadores nas universidades e autores em livros e artigos especializados parecem bater à porta. Não há vidência do apocalipse pois, como já se adivinhava, é na academia que irá se rabiscar o futuro. Não tema. Nunca a ciência se fez tão necessária e urgente e ao mesmo tempo, tão questionada ao ponto de alguns, ainda que poucos, encontrarem espaço para duvidar da redondeza da Terra, ao invés de questionarem a desigualdade das cidades do planeta, ou a falta de saneamento de nossos quintais urbanos. Não tema. Lançamos esta edição da Revista PRUMO em meio a uma das maiores crises recentes da humanidade, mas talvez ainda não tenha passado da hora de repensarmos a arquitetura, o urbanismo, as sociedades e nosso lugar na Terra. É na pluralidade de ideias que vamos desdobrar perspectivas ainda impensadas. Esse caleidoscópio de temas é também, NÃO TEMA.
Assim, começamos com uma entrevista realizada por Petar Vrcibradic com o arquiteto e urbanista Eui-Sung Yi, sócio do arquiteto norte-americano Thom Mayne e que lidera projetos urbanos com foco em pesquisa ambientados na Ásia.
Aqui no ocidente, Carlos Eduardo de Pinto traça uma reflexão do ponto de vista arquitetônico da casa vazia no filme, O Desafio, de Paulo Saraceni.
Ainda no campo das imagens, Ana Mannarino analisa, através de fotografias, as obras de Congonhas do Campo do fotógrafo Marcel Gautherot.
Henrique Delarue, em seu ensaio explora a múltiplas facetas do diagrama na arquitetura e seu uso potencial como ignição do processo de projeto.
Maíra Machado Martins e Patricia Maya Monteiro descrevem os resultados do processo de projeto de extensão "A praça, a rua e o bairro”, que teve como cenário dois baixios do bairro de Laranjeiras.
Lilian Soares, em seu artigo, Gesto Furtivo, procura iniciar uma reflexão sobre o ato de desenhar e seu gesto, tendo como pano de fundo a linguagem das obras de Cy Twombly e o filme “Cave of forgotten dreams”.
Elizabeth Garcia e Otavio Leonídio destacam a eficácia dos conceitos de Arabesco e Grotesco na arquitetura “entre” de Peter Eisenman evocando todo um sistema de conceitos e metodologias que conduziram sincronicamente o seu trabalho.
Guilherme Bueno a partir da Oikema, um bordel projetado por Claude-Nicolas Ledoux em 1804, discute o papel da arquitetura como mediadora de sensações na experiência pública e privada.
Ana Marcela França discute em “Paisagem e natureza na arte contemporânea”, o embate entre natureza e cultura a partir das instalações artísticas realizadas desde os anos 1970 até a atualidade.
Na sequência, mas numa vertente diversa do mesmo tópico, os arquitetos Pedro Varella e Caio Calafate, sócios do escritório carioca GRUA, conversaram com a PRUMO sobre o projeto “A Praia e o Tempo” desenvolvido em 2018 para a nona edição do TEMPO Festival.
Em seu artigo, Karina Martins usa a tríade funcionalidade, visibilidade e densidade técnica para relacionar os espaços residuais urbanos com o conceito de urbanismo de fragmentação.
Elvert Duran, Alice Alves e João Victor Correia em ECO-VERNACULAR, buscam o diálogo entre conhecimentos tradicionais e novos cenários da sustentabilidade, tendo como ponto de partida a exposição “Prato de quê?”, realizada no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro.
Denis Rezende e Edson Aro, analisam os indicadores de mobilidade urbana utilizados no Programa de Desenvolvimento Institucional Integrado – PDI, nos municípios do estado do Mato Grosso.
Beatriz Carneiro documenta a Oficina sobre Território, ocorrida em 2018 – Uma iniciativa do grupo de estudantes organizadores da nona edição da Semana de Arquitetura da PUC-Rio e jovens arquitetos brasileiros.
Boa leitura e não tema!
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RE-EXISTIR, ARTE E CIDADEv. 4 n. 7 (2019)
“A paisagem é um muro” escreve Nelson Brissac ao iniciar as reflexões sobre o horizonte da cidade. Com desigualdades sócio-políticas, um ambiente saturado de edificações e ruínas, a cidade é o lugar contemporâneo da existência dos indivíduos e as transformações que ela sofre são impressas em nossos corpos que se tornam, então, índices dos espaços em que vivemos. A arte nesse campo pode se inserir muitas vezes como uma forma de re-existir disruptivo, uma fissura, um estranhamento dos fluxos de nosso dia a dia, ou, ainda, tornar visível, por meio de uma corpografia, um diálogo entre a cidade e o corpo. Para Paola Berenstein Jacques, a experiência corpográfica da cidade vai evidenciar e denunciar tudo aquilo que escapa, exclui e oprime do ambiente urbano.
Diante desse indelével rastro que carregamos em nossos corpos a revista Prumo propôs em seu sétimo número o eixo temático Re-existir, arte e cidade que fez emergir discussões polissêmicas entre arte, arquitetura e urbanismo. Por vezes, em uma forma de provocação, os textos são convertidos em um campo de articulação de experiências no intento de promover outros trânsitos sobre essa re-existência em meio aos territórios urbano-opressores. Elegemos, então, um campo de batalha para o debate e este irá se mostrar, ora por escritas performáticas, ora por apontamentos filosóficos. E o entre destas escritas, quiçá, proporcionará olhares outros sobre as cidades.
Com o Rio de Janeiro abismado pela perda dos sonhos de um futuro, a revista inicia com um texto-provocação do Raphael Soifer. Este artigo — que transita entre espaços vocabulares da performance, antropologia e planejamento urbanístico — discute as diferentes manifestações da arte urbana em um período que antecede a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Ao compreender que a linguagem é um espaço de ambuiguidades, o autor aprofunda o debate ao justapor diferentes vozes e experiências em uma performance narrativa. Ainda refletindo sobre intervenções urbanas, a autora Catarina Flaksman, ao aproximar o trabalho “Museu do Homem Diagonal” da Renata Lucas e “Conical Intersect” de Gordon Matta-Clark, destaca como a arte questiona o caráter transitório das cidades e nos permite imaginar diferentes cenários. Em seguida, Daniel Nascimento reflete sobre a experiência errante como uma insurgência dos corpos nos territórios para gerar novas narrativas e atualização dos espaços. A partir de um olhar mais direto sobre a paisagem arquitetônica em abandono, Rafael Souza assinala a arquitetura como um “volume escultórico descontextualizado” e um “painel de representações” de diferentes manifestações visuais.
Subsequente a esse grupo de artigos, apresentamos o ensaio analítico de André Caetano sobre a obra projetada do Pavilhão Barcelona de Mies Van de Rohe a partir do conceito de reexistência e experiência corpográfica. A seguir Juliana Sicuro e de Vitor Garcez apresentam o projeto do escritório OCO para o Museu Bispo do Rosário e o Museu de Imagens do Inconsciente,em que a prática projetual se coloca como um instrumento político.
Como um eco que não cessa a fala, diria Blanchot, a artista Luiza Baldan produz uma escrita-obra que costura uma quase-deriva narrativa sobre a experiência da paisagem urbana da cidade de São Paulo. No texto da Paola Barreto e do Lucas Amorim o espaço urbano é o lugar para um importante estudo sobre corpos negros em diáspora que, mesmo carregados por marcas coloniais, re-existem a partir de estratégias diversas, entre elas a prática artística contemporânea. Lucas Parente, por sua vez, faz um atravessamento filosófico do conceito de Zona e de stalker (acossador) para repensar a questão espaco-temporal e suas implicações sobre o urbanismo e a teoria da arte. Já no artigo de Adriana Sansão, Fernando Espósito e Sergi Arbusà as instalações dos infláveis do coletivo artístico Penique Productions são o objeto de debate para aproximar arte, arquitetura e cidade. Israel Nunes e Lucia Maria Costa por meio de um ensaio projetual na cidade de Ilhéus, Bahia, enlaçam as artes visuais e as teorias da paisagem para a construção de um novo sentido coletivo de lugar. Mariana Bertoche fecha o grupo de artigos analisando trabalhos de Marcelo Brodsky, o Memorial de Resistência de São Paulo e o Ocupa Dops no Rio de Janeiro para abordar a importância da institucionalização de espaços de memória da Ditadura Militar no Brasil e seus processos de violações de Direitos Humanos. Por fim, a revista encerra com a colaboração do Programa Imagens do Povo realizado pelo Observatório das Favelas na sessão Olhares. As imagens expressam o olhar crítico-autoral dos fotógrafos e nos mostram como a linguagem fotográfica é uma ferramenta político-social para uma re-existência dos indivíduos na cidade.
Deseja-se, que este número possa se tornar um estímulo às mais diversas abordagens sobre a temática e que a multiplicidade de olhares dos autores sobre as experiências e práticas urbanas contribua para um pensamento crítico.
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ÊXODOS E MIGRAÇÕESv. 4 n. 6 (2019)
A crise humanitária internacional tem se ampliado nos últimos anos, principalmente em função do grande fluxo de migrações decorrentes de problemas sócio-econômicos, guerras, disputas territoriais, conflitos étnico-raciais e desastres ambientais. Segundo dados recentes do ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados), 70,8 milhões de pessoas têm sido forçadas a se deslocar de suas casas, dentre as quais 25,9 milhões podem ser consideradas refugiadas e 3,8 milhões solicitantes de refúgio.
O tema do refúgio e acolhimento de refugiados tem mobilizado diversas organizações internacionais, entidades governamentais, bem como pesquisadores dos cursos de direito, relações internacionais, ciências sociais e políticas, geografia, psicologia, serviço social, entre outros. Nas áreas da arquitetura e do urbanismo, entretanto, pouco se tem discutido sobre o assunto, apesar de ser um tema relevante, que envolve o espaço nas mais diversas escalas - do território ao abrigo.
Os recorrentes acidentes e mortes no Mediterrâneo, o enrijecimento das leis de migração, a xenofobia e as condições desumanas nas travessias desses povos em busca da sobrevivência têm exposto as chagas de um mundo muito cruel e pouco receptivo à diversidade e à interação transfronteiras.
A discussão em torno das políticas de acolhimento desvenda pontos muito sensíveis em relação aos direitos humanos, entre os quais a falta de espaços adequados de apoio nas travessias, cidades e abrigos. Por mais que as grandes organizações, como o ACNUR, Cruz Vermelha, entre outras, tentem promover infraestruturas de acolhimento, sejam junto às chegadas de embarcações, na construção de campos ou adaptação de equipamentos comunitários urbanos para abrigar famílias, ainda há muito a fazer, principalmente na nossa área de atuação.
Em função disso, a Revista PRUMO # 6 - “Êxodos e Migrações” propõe colocar esse tema na pauta da arquitetura e do urbanismo, de forma a sensibilizar estudantes, professores e profissionais. Com narrativas de refugiados, entrevista, depoimentos, histórias, resenhas, fotos e artigos escritos por pesquisadores de diversas instituições e áreas de atuação, a revista traz uma série de perspectivas sobre o assunto, revelando histórias do passado, situações atuais no Brasil e em outros países.
Como uma espécie de panorama que traz desde a situação dos refugiados venezuelanos na fronteira entre o Brasil e a Venezuela até a entrevista da capa com o artista Paulo Nazaré, a revista revela a prática artística de Paulo, marcada por travessias em vastos territórios e encontros com as raízes da própria migração no Brasil.
A crítica aos modelos atuais de acolhimento, a dificuldade de inserção no mercado de trabalho, legislação, políticas públicas, falta de habitação e interação com a cidade são outros assuntos pautados na revista, que traz uma discussão muito interessante sobre os desafios do processo de interiorização, bem como da integração dos refugiados nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo.Frio, calor, medo, relevos e desidratação acompanham famílias inteiras em busca de uma vida melhor ou, ao menos, em paz. Da linda história do êxodo dos judeus do Egito à procura de um diálogo entre hutus e tutsis na migração para Moçambique são muitas as questões que reforçam a emergência de se tratar mais amplamente o tema dos refúgios e migrações.
Acredita-se que em um momento tão sensível como o que estamos vivendo, provocar um debate sobre o assunto parece mais do que oportuno. Não à toa o Congresso da União Internacional de Arquitetos - UIA 2020 Rio, que pretende trazer à cidade do Rio de Janeiro arquitetos de diversos países, propõe como tema Todos os Mundos, Um só Mundo, Arquitetura 21, tendo como um de seus eixos as Transitoriedades e Fluxos.
A oportunidade de trazer esse tema interdisciplinar para a arquitetura e o urbanismo tem, sobretudo, a intenção de rever o papel dos arquitetos e urbanistas diante dos desafios do século XXI. A revista PRUMO #6 – Êxodos e Migrações pretende, portanto, colaborar para a ampliação dessa discussão junto aos profissionais e pesquisadores da área, de forma a contribuir para a construção de cidades mais acolhedoras e receptivas à diversidade da humanidade.Esse número não seria possível sem a colaboração de Carolina Moulin, primeira coordenadora da Cátedra Sérgio Vieira de Mello da PUC-Rio, que nos apresentou algumas narrativas de refugiados, bem como indicou alguns autores que contribuíram para a revista.
Agradecemos, também, ao ACNUR que nos proporcionou a ida a Roraima e acesso aos abrigos e infraestruturas de apoio aos refugiados na fronteira entre Brasil e Venezuela, proporcionando uma experiência de campo e reflexões sobre o tema.
Dedicamos essa revista ao jovem estudante de arquitetura e urbanismo Nursen Nkini Manasa, nosso grande amigo da República Democrática do Congo, que colaborou com seu olhar atento e sensível sobre Kinshasa, capital do seu país, e nos deixou prematuramente em setembro de 2019. Suas imagens sobre a cidade africana mostram o amor por seu país e a saudade de tudo o que deixou para trás.
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PERSPECTIVAS - A REPRESENTAÇÃO EM ARQUITETURAv. 3 n. 5 (2018)
A partir de Alberti, o desenho começou a ser usado como principal meio de representação arquitetônica e ao longo dos anos se impôs como o instrumento definitivo de expressão do arquiteto. As transformações tecnológicas que ocorreram principalmente neste e no último séculos, impactaram diretamente, não só na representação em arquitetura, mas também e, principalmente, nos processos de criação e de visualização de projeto. A produção da representação gráfica no ambiente digital que hoje predomina grandemente frente aos meios analógicos possibilitou que a normatização se tornasse mais complexa e universal além de contribuir para o aparecimento e expansão de inúmeras novas ferramentas e possibilidades. A representação em arquitetura se encontra, há algum tempo, num hiato aberto em alternativas e múltiplas formas de olhar, analisar e expressar. Discute-se. Diverge-se. Para alguns o desenho, por exemplo, está morto, para outros acabou de renascer
Com o tema: “PERSPECTIVAS - A REPRESENTAÇÃO EM ARQUITETURA” buscamos lançar discussões sobre ideias, inquietações e reflexões sobre o passado e o futuro da expressão da arquitetura em todas as suas modalidades.
O que resulta dessa edição é um caleidoscópio de ideias que refletem a diversidade de abordagens sobre diferentes aspectos da representação, do que é, porque é e de como é, portanto, representado. Tendo a arquitetura como plano de fundo comum, são exploradas dimensões de como sua interpretação física está intrinsecamente relacionada ao ato de projetar, como apontam os autores José Barki (UFRJ), James Miyamoto (UFRJ) e Rodrigo Paraizo (UFRJ), a partir da proposição de agrupamentos quanto aos modos de ação propostos (análise, argumentação e construção) e suas relações de complementariedade e simultaneidade. De forma semelhante, Artur Simões Rozestraten (USP) apresenta reflexões sobre a natureza das representações, detalhando limitações e potencialidades, além de suas possíveis interações entre as diferentes possibilidades de estudos gráficos sobre uma obra. Por fim, Rozestraten indica, assim como Barki, Miyamoto e Paraizo, para a crescente tendência tecnológica da representação exposta por Ernesto Bueno (Universidade Positivo-PR) que, por sua vez, apresenta uma cronologia baseada no desenvolvimento de softwares experimentais de 2003 a 2014 e como esta evolução interfere nos projetos de arquitetura. Por outro lado, Maria Paula Recena (UFRGS) e Daniel Dillenburg (UniRitter-Mackenzie) sugerem uma nova perspectiva sobre a produção arquitetônica, tendo em vista a difusão da produção da computação gráfica, baseada no estudo de caso do material gráfico produzido pelo arquiteto Daniel Libeskind para o Museu Judaico de Berlim.
Por outra ótica de comunicação de uma obra arquitetônica hoje, chega-se a um entendimento sobre a importância de instrumentos que permitem o despontamento da arquitetura como imagem e favorecem sua compreensão como objeto construído. Neste caso, o artigo apresentado por Pedro Engel (UFRJ) dialoga sobre a importância dos modelos físicos como estudo de ambiências a partir de fotografias, principalmente como prática acadêmica desenvolvida em ateliês da ETH Zurique. Enquanto César Bastos (UFRGS) problematiza a fotografia como possível ferramenta para a criação de realidades múltiplas de uma mesma arquitetura e, finalmente, o questionamento da imagem articulado por Betty Mirocznik (USP) a partir da arquitetura fenomenológica de Peter Zumthor, apontando novas direções para a obsessão contemporânea pela representação espacial a partir da visão.
Numa linha de pensamento semelhante, Ana Teresa Villela (Universidade Estácio de Sá - Ribeirão Preto) e Rodrigo Gutierrez (Universidade Estácio de Sá - Ribeirão Preto) pesquisam como os desenhos de duas estações ferroviárias da Cia. Mogyana ajudaram a constituir um imaginário coletivo de Ribeirão Preto, já que ambas simbolizaram a noção de modernidade para a cidade. Tendo em vista, a perspectiva como constituição sócio histórica, estabelece-se o contraponto entre o texto traduzido, de Samuel Y. Edgerton, originalmente publicado em 1976 e o artigo de Vanessa Rosa (Universidade Anhembi Morumbi), cuja abordagem gira em torno da perspectiva linear a partir da influência árabe no Renascimento italiano.
Já como condição específica, Luciana Nemer (UFF), André Thurler e Igor Klein (UFF-RJ) investigam a pertinência da figura humana na construção de ambiências diversas ao se representar uma arquitetura específica, como composição própria e fundamental do trabalho.
Por fim, Verônica Natividade (PUC-Rio) aborda o desmantelar do "paradigma Albertiano" através de três aspectos da síntese digital contemporânea: o fim da compressão de dados dos desenhos bidimensionais em favor dos modelos de informação, a ampliação da janela perspéctica para a visualização imersiva da realidade virtual; e a fabricação digital, diretamente dos computadores para os braços robóticos.
Convidamos, então, nossos leitores a olhar por essa "camera obscura" através dos artigos de nossos colaboradores e esperamos que estes suscitem novas interpretações e contribuições para atuais e futuras discussões que, certamente, reservam, ainda, muitas e impensáveis novidades. Afinal, conceituar o que simboliza a representação é enredar-se por um universo metalinguístico proposto a diversos autores.
Boa leitura! -
Preexistênciasv. 3 n. 4 (2018)
Editorial
Em uma condição de crise com amplitude cada vez maior (energética, ambiental, social, econômica ou mesmo ideológica) - faz-se necessária uma mudança de perspectiva. A ação do arquiteto e urbanista enquanto o propositor da "novidade", aquele que soluciona as questões através da proposição de uma nova ordem morfológica e estética, precisa ser repensada em termos mais abrangentes. A excessiva vontade de originalidade e ineditismo - através de um processo de substituição do existente pelo novo - pode ser repensada incorporando conceitos como transformação, conversão, reutilização, recuperação, regeneração, como possíveis estratégias frente à tal condição contemporânea.
Por isso, este número da revista Prumo traz para o debate a pertinência de diversas formas de agir pensando a preexistência (em termos arquitetônicos, urbanísticos, paisagísticos, territoriais) como possibilidade de continuidade e não de ruptura, através de ações e reflexões que busquem a transformação e a mudança frente à obsolescência das coisas e sistemas. É necessário enfrentar um embate inevitável: por um lado, as necessidades conservacionistas e patrimoniais, por outro, a aceitação das transformações técnicas, sociais e estéticas como naturais do fluxo temporal. Como consequência, possíveis estratégias de interpretações físicas e simbólicas da preexistência, que não prescindem, logicamente, de fórmulas apriorísticas, mas que se mostram cada vez mais compatíveis com a vitalidade e sustentabilidade das nossas cidades.
Ainda que com um eixo temático preciso, este número apresenta uma enorme diversidade de interpretações e desdobramentos do mesmo, gerando uma série de artigos com enfoques diversos. Dentro de uma perspectiva teórico-metodológica mais estreita, apresentamos dois artigos: a abordagem das preexistências urbanas sob a ótica de Cesare Brandi trazida por Manoela Rufinoni (USP-SP) e as problematizações entre antigo e novo a partir de Francisco De Gracia e Giovanni Carbonara tratadas por Fabiola do Valle Zonno (UFRJ-RJ). Ainda em um âmbito teórico-metodológico, porém menos específico, apresentamos a abordagem de Alessandro Massarente (Unife-Italia) em que trata as modificações de usos de edifícios preexistentes e sua inserção nas dinâmicas das cidades, principalmente a partir da experiência italiana do século XX.
Por outro lado, apresentamos alguns exemplos de práticas projetuais que pensam as intervenções sobre preexistência, muitas delas com forte presença simbólica que é potencializada por seus novos usos. O pensamento de João Mendes Ribeiro e Ana Maria Feijão (Portugal) é ilustrado por seis projetos de sua autoria, da mesma forma que o posicionamento de Arturo Franco Díaz, Ana Navarro Bosch e Nuria Salvador Luján (Espanha) é apresentado em três projetos para Matadero Madrid, onde três respostas diversas são dadas a três condições específicas, ainda que dentro do mesmo conjunto.
Outro grupo de artigos aborda a noção de preexistência com o olhar para objetos específicos, como é o caso de Marta Bogéa (FAU-USP) que analisa o projeto para o Terreiro Candomblé Ilê Axé Oxumarê, situado na cidade de Salvador, tendo em vista a preservação simbólica e cultural; Roberta Krahe Edelweiss, Fábio Bortoli e Carlla Portal Volpatto (UniRitter / Mackenzie-SP) que apresentam o estudo de caso do Museu do Pão e do Caminho dos Moinhos no Rio Grande do Sul; Ivo Giroto (USP-SP) que analisa o Museu de Arte do Rio (MAR) a partir dos diálogos com o patrimônio urbano e edificado e Joana Martins Pereira e Ana Luiza Nobre (PUC-Rio) que abordam o projeto Bairro da Bouça de Alvaro Siza Vieira em seus dois momentos, de implantação e de reabilitação. Maria Laura Ramos Rosenbusch (PUC-Rio) propõe uma análise da obra do escritório francês Lacaton & Vassal através da identificação de suas motivações críticas para o uso da recorrente estratégia de apropriação de preexistências. Ainda com um olhar específico para um objeto, a Catedral Metropolitana da Cidade do México e as ruínas do Templo Mayor, ambas localizadas na praça de Zócalo na Cidade do México, mas através de uma narrativa histórico-ficcional, Tomas Camillis (PUC-Rio) nos faz refletir sobre as preexistências ao articular a narrativa do encontro entre duas personagens históricas: o conquistador espanhol Hernán Cortés e o imperador asteca Montezuma, e de como as suas personalidades se materializaram e resistiram - ou não - à passagem do tempo através de duas obras arquitetônicas.
Tatiana Terry (PUC-Rio/PROURB-UFRJ) propõe uma ampliação da noção de preexistência, tensionando a exaltação da paisagem do Rio de Janeiro (reconhecida como patrimônio mundial pela UNESCO em 2012) com a presença das favelas e sua exploração enquanto circuito turístico cultural. Também na lógica na produção do espaço público assumindo a escala do território, Pedro Barreto de Moraes (PUC-Rio/PROURB-UFRJ) discute a noção de infraestrutura enquanto suporte ao projeto do território, no caso do Rio de Janeiro, e Luisa Gonçalves (FAU-USP) apresenta a relação entre arquitetura, infraestrutura e metrópole através de estações do metrô de São Paulo implantadas em seu centro histórico, problematizando suas questões físicas e simbólicas. De forma a fomentar ainda o debate apresentamos a tradução de alguns ensaios do designer e pensador italiano Andrea Branzi (integrantes de seu livro “Modernidade enfraquecida e difusa: o universo dos projetos no início do século XXI”, publicado em 2006), que trazem reflexões possíveis sobre o futuro do projeto de objetos e cidades.
Logicamente estes grupamentos não são estanques e cruzamentos entre as diversas abordagens são possíveis, o que torna este número tão plural e abrangente. Isto nos faz pensar que trabalhar sobre a preexistência, independente do tema e da escala, é uma maneira de reflexão sobre a nossa própria condição contemporânea.
Ana Paula Polizzo
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Cidades Latino Americanasv. 2 n. 3 (2017)
Editorial
O primeiro número da revista PRUMO teve como tema o Rio de Janeiro, colocando em questão algumas das iniciativas públicas e privadas desenvolvidas a partir da escolha da cidade como sede de grandes eventos de porte internacional nos últimos anos. Neste terceiro número, a revista enfoca novamente a cidade.
Com o intuito de promover uma discussão mais integradora, o tema se estende a toda América do Sul com a apresentação de artigos que tratam de pontos de vista e escalas de algumas cidades sul-americanas, valorizando suas semelhanças e, também, suas particularidades, no contexto contemporâneo de desenvolvimento urbano.
Abrindo este número, se apresenta o livro Ciudades Sudamericanas como Arenas Culturales, através de uma entrevista com Fernanda Arêas Peixoto, organizadora e uma das autoras, e a socióloga Maria Alice Rezende de Carvalho, também autora. Organizado pelo arquiteto Adrián Gorelik e por uma das entrevistadas, a antropóloga Fernanda Arêas Peixoto, o livro propõe diversos olhares sobre a vida cultural urbana em diferentes cidades da América do Sul e discute a cidade como lugar de germinação de tendências artísticas, projetos intelectuais e disputas político-ideológicas.
A revista continua com artigos que tratam o desenvolvimento da cidade a partir de outras perspectivas e experiências.
O arquiteto Alejandro Echeverri apresenta sua vivência e análise do trabalho desenvolvido nos últimos quinze anos em Medellín, na Colômbia, período no qual a cidade experimentou um processo de transformação urbana e social, principalmente, nas favelas. Essas áreas deixaram de ser lugares marginais para se transformar em pontos de referência de inclusão de inovação urbana.
Com um olhar mais específico, também em Medellín, o arquiteto Cauê Capillé observa o projeto de Parques-Biblioteca como parte da agenda política de transformação urbana da cidade, atribuindo à arquitetura a capacidade de funcionar como dispositivo de fortalecimento sócio-político.
Continuando com os processos de reforma urbana participativos, o arquiteto Ignácio Lira compartilha o trabalho desenvolvido pela Fundação Mi Parque em Santiago do Chile, que tem como missão criar e reforçar comunidades, por meio da recuperação participativa das áreas verdes nos bairros que mais o necessitam.
A partir de Valparaíso, no Chile, o arquiteto Mauricio Puentes apresenta o caso desta cidade portuária observando seu processo de povoamento e morfologia urbana relacionada diretamente à topografia, onde a autoconstrução deu forma à complexa trama urbana que, até hoje, persiste nos relevos da cidade e que não responde a um modelo oficial aplicado.
Guilherme Lassance, por sua vez, discute a reinauguração da Praça Mauá, localizada no centro do Rio de Janeiro, analisando criticamente a condição de cidade desigual, ao considerar a intervenção como parte de uma série de ações, que privilegia a área central e os bairros com população de maior renda da Zona Sul e parte da Zona Norte, em detrimento dos subúrbios.
Também tratando o tema do desenvolvimento urbano, mas focado na mobilidade, Manuel Herce pontua criticamente algumas das propostas apresentadas para o Rio de Janeiro, e algumas das obras que foram realizadas para atender aos Jogos Olímpicos de 2016.
Seguindo a temática do desenvolvimento e planejamento urbano, outro grupo de autores aborda a questão da cidade tendo como ponto de partida, a escala dos usos e apropriações do espaço.
Roberta Edelweiss e Mauricio Cabas apresentam o caso de Porto Alegre, a partir de seus processos de transformação, compreendidos como a construção de uma identidade através de ações da sociedade civil, os quais geram valores de memória. Estas caraterísticas são observadas nos eventos efêmeros de apropriação do espaço público.
Por sua vez, Adriana Sansão, Joy Till, Aline Couri e o LABIT (Laboratório de Intervenções Temporárias, do Programa de Pós-graduação e Urbanismo da FAU-UFRJ), apresentam uma ação de “urbanismo tático” de reconquista de um espaço esquecido no Rio de Janeiro, questionando o papel do cidadão nas transformações da cidade. O sítio da intervenção foi a Travessa do Liceu, espaço público relegado no recente processo de transformação da Praça Mauá.
Em São Paulo, Marcelo Carnevale discute sobre as novas formas de vizinhança, definidas a partir do cotidiano em que muitas coisas acontecem simultaneamente. Algumas mais explícitas, próprias da megalópole e outras mais sutis, à escala da rua, entre as quais sempre é possível descobrir relações.
No Chile, Horacio Torrent nos fala da arquitetura moderna, no período entre 1930 e 1960, e de como ela fez parte de um processo de transformação social e de renovação do país, em que as grandes obras do estado de bem-estar adquiriram um sentido civilizatório e determinaram o processo de concentração urbana. Estabeleceu-se uma tradição moderna que gerou uma legitimidade social em prol de uma vida melhor e que se expandiu pelo país, tanto pela ação pública, como pela privada.
Michel Masson apresenta o livro Guerra dos Lugares: A colonização da terra e da moradia na era das finanças, de Raquel Rolnik. Acompanhando este ensaio-resenha, está uma série fotográfica do próprio autor chamada Salve-Salve, realizada no Horto, na cidade do Rio de Janeiro. Hoje afetada pela desapropriação, o Horto é uma das comunidades abordadas no livro por Raquel Rolnik.
Finalmente, Marcos Favero, Lucas Di Gioia e Victor Cattete apresentam a tradução do texto Urbanismo Infraestrutural, de Stan Allen, como parte do trabalho desenvolvido no Laboratório de Arquitetura, Infraestrutura e Território (LAIT) do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura da PUC-Rio.
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Ensino para Arquiteturav. 2 n. 2 (2017)
Editorial
A partir da década de 1960, o campo da Arquitetura se permite contaminar de forma intensa e contínua pela pluralidade contemporânea. Aproximando-se principalmente da Filosofia, da Psicologia e da Linguística, constrói borramentos através dos quais ultrapassa o projeto moderno sem, contudo, abandoná-lo plenamente, buscando definir qual seria o novo lugar que caberia aos arquitetos nas sociedades pós-industriais. Respostas claras não foram alcançadas. No entanto, guiados pelo estabelecimento de um campo teórico muito polifônico — com linhas de pensamento até mesmo contraditórias —, fomos desmontando certezas modernas e abrindo espaço para que novas questões surgissem, mapeando possibilidades, tornando mais complexas as relações entre teoria e prática, sublinhando a necessidade de questionarmos os caminhos abertos desde o iluminismo para a relação homem-natureza, gerando interações inovadoras entre a arquitetura, a sociedade, suas cidades, a tecnologia e o objeto arquitetônico.
Neste segundo número da Revista PRUMO, propomos questionar como tal pluralidade e complexidade alteraram os processos de formação do arquiteto; como a ausência de certezas e a polifonia perceptível no mundo de hoje constituíram novas práticas nas escolas de Arquitetura. Para tanto, convidamos pesquisadores, professores e jovens arquitetos para falarem sobre suas pesquisas e experiências como docentes, alunos e profissionais do campo da Arquitetura. Como previsto, as abordagens que nos foram oferecidas mostraram-se bastante diversificadas, indo desde descrições breves de metodologias de ensino a inquirições sobre os limites da Arquitetura.
Correndo o risco de parecer negar a imensa interação e troca entre professores e alunos que conforma um processo educacional eficiente e efetivo, a revista foi dividida em duas seções principais, abrigando, a primeira os artigos de pesquisadores e professores; e a segunda, depoimentos de arquitetos recém-formados. Uma última seção, neste número nomeada como PRUMO Indica, expõe uma resenha crítica.
Em comum a todos os textos, notamos a tentativa honesta de trazer a complexidade e a multiplicidade contemporâneas para os procedimentos de ensino e a prática profissional. O predomínio das experiências pedagógicas baseadas em variações do que chamamos de ateliê integrado parece sublinhar um entendimento que busca transferir a complexidade contemporânea para a própria estrutura organizacional das aulas de projeto, tornando-a quase que visível para o aluno ao mostrar o projeto como um processo que envolve diferentes saberes e escalas diversas de aproximação. Essas experimentações nos são mostradas de diferentes formas nos textos de Rodrigo Saavedra (PUC Valparaíso - Chile), Juan Rois (UNR - Argentina) e de Mariko Terada (Y-GSA –Japão). Explanação semelhante é feita por Ciro Pirondi (Escola da Cidade – São Paulo), que expõe a imbricação percebida entre a configuração da organização em ateliês multidisciplinares e a crise que a arquitetura e a sociedade brasileira enfrentam. Já Jonas Delecave, jovem pesquisador que investigou a experiência de ensino de John Hejduk na Cooper Union, e Otavio Leonidio (PUC-Rio), analisando o encaminhamento dado aos trabalhos de conclusão de curso de seus orientandos na graduação, transitam igualmente pela ideia de complexidade e rompimento das esferas do saber ao colocar em questão a autonomia do campo arquitetônico, aproximando-o, principalmente, das experimentações artísticas. Concluindo a primeira seção, Reinier de Graff, em tradução de artigo publicado na revista americana Volume, expõe sua visão do lugar singular ocupado pelo arquiteto no campo da produção contemporânea, propondo que esse posicionamento resulta, principalmente, da complexidade percebida no embate entre aprendizado e ensino, teoria e prática, academia e campo de trabalho. Esta complexidade é abordada de forma análoga por Ana Luiza Nobre (PUC-Rio) ao expor a interessante experiência desenvolvida em um workshop capitaneado pelo artista albanês Anri Sala, que propôs uma investigação sonora no edifício do Conjunto Habitacional Marquês de São Vicente, projeto de Affonso Reidy, unindo alunos do Departamento de Arquitetura da PUC-Rio com alunos da Escola de Artes Visuais do Parque Lage.
As falas dos arquitetos recém-formados formam um painel em si mesmo polifônico, que passa pela compreensão do desenho como manifestação de memória e pensamento no texto de Rita D’Aguilar (egressa da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa), pela constatação de Gabriel Kozlowski (egresso da PUC-Rio) sobre a frágil formação em Urbanismo oferecida nos cursos de graduação das universidades brasileiras e que culmina com a significativa convergência na valorização do trabalho em grupos (coletivos), voltado para a comunidade e para modos de produção alternativos, exposta nas narrativas do grupo chileno MADE (egresso da Puc-Valparaíso) e do coletivo paulistano Goma Oficina (egresso da Escola da Cidade).
Na seção final, PRUMO indica, Michel Masson nos oferece uma resenha sobre o livro Retracing the Expanded Field, que aborda os 30 anos do surgimento da conceituação de campo ampliado, importante instrumento para pensar os limites incertos entre os diferentes campos do saber na contemporaneidade.
Agradecemos a todos os colaboradores e esperamos que a leitura deste segundo número da revista PRUMO se configure como um incentivo ao questionamento dos modos de ensinar e pensar arquitetura.
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Revista Prumo 02 -
O Rio em Obrasv. 1 n. 1 (2015)
Apresentação
O Departamento de Arquitetura e Urbanismo (DAU) da PUC-Rio lança agora a revista PRUMO cujo primeiro número tem como tema a cidade do Rio de Janeiro. O objetivo desta revista é reunir as reflexões críticas de profissionais de diferentes áreas do conhecimento sobre os desafios e as soluções para a construção de ambientes socialmente justos, economicamente viáveis, ecologicamente responsáveis e com grande qualidade arquitetônica, refletindo, assim, os princípios que estruturam o nosso Programa de Graduação em Arquitetura e Urbanismo. A revista está estruturada em cinco seções: entrevistas, artigos, traduções, projetos e a estante de ideias. Ao longo delas busca-se estimular a reflexão sobre os desafios contemporâneos do projeto de arquitetura e urbanismo e discutir temas muitas vezes polêmicos e sempre de grande impacto sobre a vida cotidiana e o futuro das cidades, tais como a insustentabilidade do modelo de mobilidade urbana e da governança em escala municipal, a inserção global da produção da cidade e a sua comercialização ou a memória acumulada em espaços urbanos e nos edifícios que os constituem. Além disso, a revista promove o debate sobre projetos atuais e oferece para o leitor textos emblemáticos de teoria da arquitetura e urbanismo que, até então, não possuíam tradução para o português. Este número é resultado da dedicação de um grupo de professores do DAU/PUC-Rio, assim como de autores e colaboradores da revista, com destaque especial à dedicação dos professores Ana Paula Polizzo e Silvio Dias que coordenaram a elaboração desta publicação. Desejo a todos uma ótima leitura.
Maria Fernanda Campos Lemos
Diretora do Departameto de Arquitetura e Urbanismo da PUC-RioEditorial
Não há dúvidas de que o Rio de Janeiro está em amplo processo de transformação. A cidade tem sido foco das atenções das iniciativas públicas e também privadas, principalmente por sediar grandes eventos de porte internacional nos próximos anos. Mas, afinal, que tipo de transformação está em curso na cidade? Quais são as condições para que ela efetivamente ocorra? Em busca não necessariamente por respostas concretas, mas pela possibilidade de reflexão através da análise crítica e do debate, o primeiro número da Revista Prumo terá como foco temático estas profundas modificações pelas quais está passando a cidade do Rio de Janeiro, bem como os fatores que têm desencadeado novas articulações sociais e que vêm se concretizando nos projetos em curso na cidade. Neste sentido, entendemos este como sendo um momento chave para nos colocarmos questões relevantes não só para a arquitetura que vem sendo produzida como também para a cidade e para a paisagem que vem sendo remodeladas.
Iniciamos as discussões com o artigo de Pedro Cláudio Cunca Bocayuva “Rio de Janeiro: modernidade global e intensidade no espetáculo urbano do século XXI” acerca de um possível processo de privatização da cidade juntamente com a criação de grandes imagens no cenário urbano, gerando, por conseguinte a completa fragmentação e desarticulação da cidade. João Masao Kamita, em “Por uma arquitetura filosófica – Considerações sobre um estado atual da arquitetura carioca” acrescenta dentro desta lógica, um fundamental olhar crítico à produção arquitetônica que vêm se desenvolvendo no Rio de Janeiro. O arquiteto português Nuno Portas traz uma releitura, vinte anos depois, de suas experiências na década de 80 na cidade do Rio de Janeiro com o artigo “Lembranças do Rio – Primeiro as ruas, depois as casas… e não o contrário”, ajudando-nos a refletir sobre a maneira como olhamos para nossas cidades e também para a questão da habitação. Em todo este processo de transformações urbanas, torna-se essencial um olhar para a questão das políticas de mobilidade e a acessibilidade na cidade, trazido por Ricardo Esteves através de “A mobilidade urbana em tempos de acessibilidade olímpica”. Já em “Cidade como problema público. Reflexão sobre o futuro do Rio de Janeiro” Marcelo Baumann Burgos e Maria Alice Rezende de Carvalho trazem à tona a dualidade presente entre os grandes investimentos e a completa falta de participação popular. E por fim, praticamente exemplificando todo este processo, fechamos com o artigo de Leonardo Name “O Maraca é de quem? ” Sobre novas tecnologias de informação e comunicação. E sobre resistência.
Apesar deste longo percurso, certamente muitos temas igualmente urgentes ficaram de fora. Nossa intenção é poder abrir as possibilidades de discussão sobre a construção da cidade de forma multidisciplinar. Ainda há muito que refletir.
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Revista Prumo