A crise humanitária internacional tem se ampliado nos últimos anos, principalmente em função do grande fluxo de migrações decorrentes de problemas sócio-econômicos, guerras, disputas territoriais, conflitos étnico-raciais e desastres ambientais. Segundo dados recentes do ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados), 70,8 milhões de pessoas têm sido forçadas a se deslocar de suas casas, dentre as quais 25,9 milhões podem ser consideradas refugiadas e 3,8 milhões solicitantes de refúgio.
O tema do refúgio e acolhimento de refugiados tem mobilizado diversas organizações internacionais, entidades governamentais, bem como pesquisadores dos cursos de direito, relações internacionais, ciências sociais e políticas, geografia, psicologia, serviço social, entre outros. Nas áreas da arquitetura e do urbanismo, entretanto, pouco se tem discutido sobre o assunto, apesar de ser um tema relevante, que envolve o espaço nas mais diversas escalas - do território ao abrigo.
Os recorrentes acidentes e mortes no Mediterrâneo, o enrijecimento das leis de migração, a xenofobia e as condições desumanas nas travessias desses povos em busca da sobrevivência têm exposto as chagas de um mundo muito cruel e pouco receptivo à diversidade e à interação transfronteiras.
A discussão em torno das políticas de acolhimento desvenda pontos muito sensíveis em relação aos direitos humanos, entre os quais a falta de espaços adequados de apoio nas travessias, cidades e abrigos. Por mais que as grandes organizações, como o ACNUR, Cruz Vermelha, entre outras, tentem promover infraestruturas de acolhimento, sejam junto às chegadas de embarcações, na construção de campos ou adaptação de equipamentos comunitários urbanos para abrigar famílias, ainda há muito a fazer, principalmente na nossa área de atuação.
Em função disso, a Revista PRUMO # 6 - “Êxodos e Migrações” propõe colocar esse tema na pauta da arquitetura e do urbanismo, de forma a sensibilizar estudantes, professores e profissionais. Com narrativas de refugiados, entrevista, depoimentos, histórias, resenhas, fotos e artigos escritos por pesquisadores de diversas instituições e áreas de atuação, a revista traz uma série de perspectivas sobre o assunto, revelando histórias do passado, situações atuais no Brasil e em outros países.
Como uma espécie de panorama que traz desde a situação dos refugiados venezuelanos na fronteira entre o Brasil e a Venezuela até a entrevista da capa com o artista Paulo Nazaré, a revista revela a prática artística de Paulo, marcada por travessias em vastos territórios e encontros com as raízes da própria migração no Brasil.
A crítica aos modelos atuais de acolhimento, a dificuldade de inserção no mercado de trabalho, legislação, políticas públicas, falta de habitação e interação com a cidade são outros assuntos pautados na revista, que traz uma discussão muito interessante sobre os desafios do processo de interiorização, bem como da integração dos refugiados nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo.
Frio, calor, medo, relevos e desidratação acompanham famílias inteiras em busca de uma vida melhor ou, ao menos, em paz. Da linda história do êxodo dos judeus do Egito à procura de um diálogo entre hutus e tutsis na migração para Moçambique são muitas as questões que reforçam a emergência de se tratar mais amplamente o tema dos refúgios e migrações.
Acredita-se que em um momento tão sensível como o que estamos vivendo, provocar um debate sobre o assunto parece mais do que oportuno. Não à toa o Congresso da União Internacional de Arquitetos - UIA 2020 Rio, que pretende trazer à cidade do Rio de Janeiro arquitetos de diversos países, propõe como tema Todos os Mundos, Um só Mundo, Arquitetura 21, tendo como um de seus eixos as Transitoriedades e Fluxos.
A oportunidade de trazer esse tema interdisciplinar para a arquitetura e o urbanismo tem, sobretudo, a intenção de rever o papel dos arquitetos e urbanistas diante dos desafios do século XXI. A revista PRUMO #6 – Êxodos e Migrações pretende, portanto, colaborar para a ampliação dessa discussão junto aos profissionais e pesquisadores da área, de forma a contribuir para a construção de cidades mais acolhedoras e receptivas à diversidade da humanidade.
Esse número não seria possível sem a colaboração de Carolina Moulin, primeira coordenadora da Cátedra Sérgio Vieira de Mello da PUC-Rio, que nos apresentou algumas narrativas de refugiados, bem como indicou alguns autores que contribuíram para a revista.
Agradecemos, também, ao ACNUR que nos proporcionou a ida a Roraima e acesso aos abrigos e infraestruturas de apoio aos refugiados na fronteira entre Brasil e Venezuela, proporcionando uma experiência de campo e reflexões sobre o tema.
Dedicamos essa revista ao jovem estudante de arquitetura e urbanismo Nursen Nkini Manasa, nosso grande amigo da República Democrática do Congo, que colaborou com seu olhar atento e sensível sobre Kinshasa, capital do seu país, e nos deixou prematuramente em setembro de 2019. Suas imagens sobre a cidade africana mostram o amor por seu país e a saudade de tudo o que deixou para trás.