Editorial
A partir da década de 1960, o campo da Arquitetura se permite contaminar de forma intensa e contínua pela pluralidade contemporânea. Aproximando-se principalmente da Filosofia, da Psicologia e da Linguística, constrói borramentos através dos quais ultrapassa o projeto moderno sem, contudo, abandoná-lo plenamente, buscando definir qual seria o novo lugar que caberia aos arquitetos nas sociedades pós-industriais. Respostas claras não foram alcançadas. No entanto, guiados pelo estabelecimento de um campo teórico muito polifônico — com linhas de pensamento até mesmo contraditórias —, fomos desmontando certezas modernas e abrindo espaço para que novas questões surgissem, mapeando possibilidades, tornando mais complexas as relações entre teoria e prática, sublinhando a necessidade de questionarmos os caminhos abertos desde o iluminismo para a relação homem-natureza, gerando interações inovadoras entre a arquitetura, a sociedade, suas cidades, a tecnologia e o objeto arquitetônico.
Neste segundo número da Revista PRUMO, propomos questionar como tal pluralidade e complexidade alteraram os processos de formação do arquiteto; como a ausência de certezas e a polifonia perceptível no mundo de hoje constituíram novas práticas nas escolas de Arquitetura. Para tanto, convidamos pesquisadores, professores e jovens arquitetos para falarem sobre suas pesquisas e experiências como docentes, alunos e profissionais do campo da Arquitetura. Como previsto, as abordagens que nos foram oferecidas mostraram-se bastante diversificadas, indo desde descrições breves de metodologias de ensino a inquirições sobre os limites da Arquitetura.
Correndo o risco de parecer negar a imensa interação e troca entre professores e alunos que conforma um processo educacional eficiente e efetivo, a revista foi dividida em duas seções principais, abrigando, a primeira os artigos de pesquisadores e professores; e a segunda, depoimentos de arquitetos recém-formados. Uma última seção, neste número nomeada como PRUMO Indica, expõe uma resenha crítica.
Em comum a todos os textos, notamos a tentativa honesta de trazer a complexidade e a multiplicidade contemporâneas para os procedimentos de ensino e a prática profissional. O predomínio das experiências pedagógicas baseadas em variações do que chamamos de ateliê integrado parece sublinhar um entendimento que busca transferir a complexidade contemporânea para a própria estrutura organizacional das aulas de projeto, tornando-a quase que visível para o aluno ao mostrar o projeto como um processo que envolve diferentes saberes e escalas diversas de aproximação. Essas experimentações nos são mostradas de diferentes formas nos textos de Rodrigo Saavedra (PUC Valparaíso - Chile), Juan Rois (UNR - Argentina) e de Mariko Terada (Y-GSA –Japão). Explanação semelhante é feita por Ciro Pirondi (Escola da Cidade – São Paulo), que expõe a imbricação percebida entre a configuração da organização em ateliês multidisciplinares e a crise que a arquitetura e a sociedade brasileira enfrentam. Já Jonas Delecave, jovem pesquisador que investigou a experiência de ensino de John Hejduk na Cooper Union, e Otavio Leonidio (PUC-Rio), analisando o encaminhamento dado aos trabalhos de conclusão de curso de seus orientandos na graduação, transitam igualmente pela ideia de complexidade e rompimento das esferas do saber ao colocar em questão a autonomia do campo arquitetônico, aproximando-o, principalmente, das experimentações artísticas. Concluindo a primeira seção, Reinier de Graff, em tradução de artigo publicado na revista americana Volume, expõe sua visão do lugar singular ocupado pelo arquiteto no campo da produção contemporânea, propondo que esse posicionamento resulta, principalmente, da complexidade percebida no embate entre aprendizado e ensino, teoria e prática, academia e campo de trabalho. Esta complexidade é abordada de forma análoga por Ana Luiza Nobre (PUC-Rio) ao expor a interessante experiência desenvolvida em um workshop capitaneado pelo artista albanês Anri Sala, que propôs uma investigação sonora no edifício do Conjunto Habitacional Marquês de São Vicente, projeto de Affonso Reidy, unindo alunos do Departamento de Arquitetura da PUC-Rio com alunos da Escola de Artes Visuais do Parque Lage.
As falas dos arquitetos recém-formados formam um painel em si mesmo polifônico, que passa pela compreensão do desenho como manifestação de memória e pensamento no texto de Rita D’Aguilar (egressa da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa), pela constatação de Gabriel Kozlowski (egresso da PUC-Rio) sobre a frágil formação em Urbanismo oferecida nos cursos de graduação das universidades brasileiras e que culmina com a significativa convergência na valorização do trabalho em grupos (coletivos), voltado para a comunidade e para modos de produção alternativos, exposta nas narrativas do grupo chileno MADE (egresso da Puc-Valparaíso) e do coletivo paulistano Goma Oficina (egresso da Escola da Cidade).
Na seção final, PRUMO indica, Michel Masson nos oferece uma resenha sobre o livro Retracing the Expanded Field, que aborda os 30 anos do surgimento da conceituação de campo ampliado, importante instrumento para pensar os limites incertos entre os diferentes campos do saber na contemporaneidade.
Agradecemos a todos os colaboradores e esperamos que a leitura deste segundo número da revista PRUMO se configure como um incentivo ao questionamento dos modos de ensinar e pensar arquitetura.
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Revista Prumo 02