Editorial

Este é o segundo número do Dignidade Re-Vista, periódico acadêmico destinado a debater questões relativas aos Direitos Humanos. Nesta edição temos como temática as dimensões trabalhistas e os direitos humanos. Tal abordagem torna-se cada vez mais importante perante um quadro de crise econômica e política em que, de um lado, cresce o desemprego e, de outro, medidas econômicas são adotadas afetando direitos dos trabalhadores. A complexidade da questão obviamente afeta aquilo que se refere às condições de uma vida digna. Talvez o grande dilema desta época seja de que maneira superar a crise sem que direitos sejam violados. Neste sentido, a proposta desta edição visa trazer um olhar mais amplo acerca das relações de trabalho em consonância com os direitos humanos a fim de proporcionar uma melhor reflexão e debate mais amadurecido na sociedade.

Sendo assim, a dimensão do trabalho está para além da relação empregador e empregado. Antes de tudo, válido recordar que o trabalho é um direito de cada ser humano para poder ter acesso a uma vida digna, um elemento fundamental que oferece a possibilidade de autonomia e autodeterminação. Este olhar se torna mais consistente na medida em que este direito deve estar acompanhado de noções como qualidade de vida e condições mínimas para que o indivíduo possa ser livre, alcance um nível de igualdade na sociedade e tenha a sua integridade psicofísica garantida. São estes elementos que separam o trabalho escravo de um trabalho digno e, por isso, válido atentar aqui que existem populações vulneráveis que estão passíveis de sofrerem abusos que os submetam a condições degradantes. Neste sentido, o texto de Francisco Veras Junior deixa ao leitor a reflexão de que maneira o direito ao trabalho digno é “condição fundamental para a integração da população refugiada no Brasil”. Não apenas os refugiados estão sujeitos a trabalhos escravos, mas também determinadas profissões esbarram com desafios que revelam padrões de condutas que têm origem em um passado histórico que faz referência ao tempo da escravidão. É o que ocorre com a empregada doméstica que muitas vezes é exposta a situações abusivas por parte de seus patrões, tal como observa Lorena Muniz em seu artigo.

Outrossim importante observar que existem trabalhos que são exercidos não pela escolha individual, mas pelo simples fato de ter sido uma das poucas possibilidades que a vida apresentou. Em geral estes trabalhos já possuem uma natureza que expõem os indivíduos a riscos que podem afetar a saúde ou a integridade física. Não apenas refugiados estão sujeitos a este tipo de situação, mas também populações pobres e carentes, como aponta o artigo de Jefferson Brito de Souza. Um importante exemplo disso são os lixões em que não raras vezes encontramos pessoas que desenvolvem trabalhos que, apesar de não serem desejados, enquadram-se dentro de tendências socioambientais tal como a reciclagem. A dimensão do trabalho também forma personalidades, marcando vidas e a maneira de olhar o mundo. Isso acaba sendo impactante quando se trata de inserção precoce de crianças e adolescentes no mercado de trabalho. Além de ser um processo opressivo, causa impactos na vida escolar do “adulto-criança” (utilizando aqui os termos de Maria Helena Zamora e Olívia dos Santos Ribeiro), o que acompanha até a idade adulta. Todavia, este impacto ocorre não apenas deste modo, mas também quando pessoas realizam atividade profissional que gera algum tipo de influência em outro, tal qual trata Adrianne Santos em seu artigo sobre o trabalho de assistentes sociais em atendimento a idosos em abrigos, bem como o esforço de emancipação da mulher por meio do trabalho e de que maneira se manifesta na estrutura familiar, como é possível observar no artigo de Claudina Damasceno.

A formação de um bom profissional é fundamental para garantir não apenas o exercício digno da profissão, mas também que os resultados conduzam a uma valorização maior do ser humano. A importância de uma educação permanente encontra aí seu fundamento e, para tanto, profissionais de serviço social dela necessitam não apenas para manter a qualidade de serviço diante das novas demandas do mundo do trabalho, mas também para reforças valores humanos que se encontram presentes no código de ética do profissional de serviço social. É o que trata Esteban Cipriano em seu texto. A temática das relações de trabalho e os direitos humanos é extremamente ampla. Para tanto, neste número buscamos não limitar as abordagens, mas também não foi aberto um horizonte muito vasto para não perder o foco de nossa produção acadêmica. Sendo assim, é possível aqui encontrar artigos dos mais variados campos do conhecimento, mantendo o nosso caráter interdisciplinar que desde o primeiro número nos propomos a fazer. Afinal, a perspectiva da revista, mais do que um espaço de produção universitária, visa ser um ambiente de trocas de diferentes perspectivas acadêmicas e, para tantos, as diversas abordagens apenas enriquecem o nosso trabalho, visando assim uma maior integração entre os diferentes cursos da Pontifícia Universidade Católica.

 

Publicado: 2016-12-22