A ideia de fazer esta edição da Revista PRUMO, especialmente dedicada a jovens pesquisadores, arquitetas e arquitetos, surgiu do desejo de difundir o frescor de ideias, achados e inquietações de quem está no início do caminho acadêmico ou profissional e que, assim como os mais experientes, enfrenta o atual contexto de pouco incentivo à pesquisa no Brasil. Desde a sua primeira edição, a PRUMO preza por promover um espaço aberto ao pensamento crítico sobre o viver contemporâneo e os seus imensos desafios; nesta edição, esse espaço é alargado para acolher “jovens olhares”.
Em 2019, a comunidade científica e acadêmica brasileira passou a sentir duramente os impactos da agenda política implantada no país. Bloqueios e reduções orçamentárias na CAPES e no CNPq — as duas principais agências federais de fomento à pesquisa no Brasil — vêm manifestando um desincentivo calculado sobre a educação, ciência e tecnologia. Além de significarem um abalo ao desenvolvimento, tais ações representam forte ameaça à construção do conhecimento e, em última instância, tratando-se em especial das ciências humanas, revelam a intransigência ao pensamento crítico e inventivo.
É em meio a esse duro contexto que lançamos esta edição da revista PRUMO, com a certeza de que é justamente na academia e na ciência que podemos refletir sobre a nossa condição, nossa história e os possíveis desenhos do nosso futuro — pelo conhecimento construído e debatido no coletivo. Nada melhor do que invocar mentes mais jovens e irrequietas para ventilar nossa revista nestes tempos de desmontes e incertezas. Pensando nisso, juntamos um grupo de maioria graduada nos últimos seis anos, autoras e autores que compartilham conosco o início de sua produção.
Não podemos deixar de mencionar o duro desafio de conceber e produzir esta edição em meio à pandemia sanitária que ainda nos assola e que, com muito pesar, nos levou queridos colegas de trabalho e de luta, como o professor Fernando Betim Paes Leme, ex coordenador acadêmico do DAU PUC-Rio e a professora Vera Hazan, editora do sexto número desta revista e, assim como Betim, integrante do seu Conselho Editorial. Conforta-nos a certeza de que as páginas da PRUMO perpetuarão os seus legados.
Iniciamos esta edição com uma entrevista realizada com o Coletivo Leve, formado pelo Superlimão Studio, Barão Di Sarno, H2C Arquitetura, Zoom Arquitetura e Vanessa Espínola. Na entrevista, o coletivo fala sobre as suas práticas e, em especial, sobre o projeto de uma estrutura provisória para o SESC Parque Dom Pedro II, em São Paulo.
A partir de sua experiência vivida em TECIDO-NÃO-TECIDO, Bárbara Cabral articula práticas artísticas e urbanísticas, entrelaçando os campos da arquitetura e da performance. A autora propõe uma espécie de “urbanismo imanente e do chão” de modo a subverter noções de programa em arquitetura e urbanismo.
Ao investigar a rede global de Internet, Michel Zalis revela que, por de trás de uma suposta aparência etérea e desmaterializada, existe uma imensa infraestrutura física que se apresenta como um sistema nebuloso, onipotente e ubíquo. Ao tomar a arquitetura do Data Center como estudo de caso, o autor aponta que a fisicalidade da Internet gera importantes impactos ambientais, sociais, urbanos e paisagísticos.
A modernidade e os diferentes modos de experiência do tempo são explorados por Beatriz Carneiro. A autora elabora o conceito de policronia e investiga as suas possíveis reverberações na arquitetura contemporânea a partir da análise do projeto de reconversão do Mercado Municipal do Carandá em Escola de Dança e Música de autoria do arquiteto português Eduardo Souto de Moura.
A Casa França-Brasil, único edifício público projetado pelo arquiteto francês Grandjean de Montigny ainda existente, é revisitada por Thiago de Almeida. O autor argumenta que a relevância do edifício está intrinsecamente relacionada ao seu caráter funcional indeterminado; e aponta a importância do projeto de Montigny para a prática arquitetônica contemporânea.
Bianca Lupo explora o conceito de terrain vague, cunhado por Ignasi de Solà-Morales, a partir da análise do Píer Mauá, localizado na região portuária do Rio de Janeiro e objeto de disputas urbanas desde os anos noventa. A autora argumenta que o planejamento urbano e a mídia se tornam fatores essenciais para nortear o pensamento arquitetônico contemporâneo.
Na sequência, apresentamos o projeto arquitetônico para o Museu Marítimo do Brasil de autoria de dois jovens escritórios: Messina Rivas e Ben-Avid Studio. O projeto foi vencedor do Concurso Nacional de Arquitetura, promovido em 2021 pelo Departamento Cultural do Abrigo do Marinheiro e pelo Departamento do Rio de Janeiro do Instituto de Arquitetos do Brasil.
Por meio do exercício de leitura de uma imagem fotográfica da cidade do Rio de Janeiro, tomada por Augusto Malta em 1908, Angela Ferreira da Silva busca trabalhar a inscrição da fotografia. No artigo, a imagem fotográfica é colocada como uma “chave de acesso” para recolocar questões ao fotógrafo a partir da tensão observada entre o que sua fotografia retrata e o que efetivamente “dá a ver”.
Em seu artigo, Yasmin Vieira discute a profundidade num nível mais subjetivo. À luz da fenomenologia de Maurice Merleau-Ponty, a autora faz considerações sobre a existência da profundidade como uma dimensão que estrutura a relação CORPO-ESPAÇO. A profundidade, como fenômeno, se torna potencialidade para a disciplina da arquitetura ao ser responsável pelo engajamento corpóreo.
A rua do Catete, na cidade do Rio de Janeiro, é amplamente explorada por Pâmela Paris Ávila. Por meio da imersão em campo pelo método da flânerie, a autora cria uma cartografia textual como ferramenta interpretativa. Esse método possibilita a percepção de outros “territórios” além daqueles presentes na cidade hoje.
A Ocupação Vito Giannotti localizada no Rio de Janeiro é objeto de estudo no artigo de Andressa de Sá. A autora disserta sobre a importância do projeto participativo, suas metodologias e de formar arquitetas e arquitetos com a capacidade de interlocução e mediação para melhor auxiliar na melhoria de condições de vida em ocupações de imóveis abandonados na área central da cidade.
Alice Sion e Marcos Favero discutem a relação entre infraestrutura e arruinamento a partir de uma investigação centrada no Morro do Sumaré, localizado no Rio de Janeiro. Tendo como pano de fundo aspectos relacionados à obsolescência de infraestruturas decorrentes do avanço tecnológico, os autores procuram discutir estratégias de ocupação no âmbito do projeto.
Os conceitos de Rizoma, Diagrama e Site/Non-site são explorados no ensaio de Leonardo Carrilho Filippo e Otavio Leonídio com o intuito de fazer emergir uma outra realidade, não mais pautada por uma lógica contextualista, linear e contínua. Para tanto, os autores propõem um grid ficcional como ferramenta que opera sobre a cidade factual do Rio de Janeiro.
Nathália Valente, Izabel de Oliveira e Nilton Gamba Junior apresentam um projeto de série audiovisual que difunde os quesitos de julgamento das escolas de samba do Rio de Janeiro em diálogo com o conceito de sustentabilidade comunicacional. O projeto analisa como o dinamismo dos sistemas multissensoriais contemporâneos pode propiciar uma processualidade que permita atualizações futuras.
Filipe Marino entrevista o prof. Dr. Peter Cox, da Universidade de Chester, autor dos livros The Politics of Cycling Infrastructure e Moving People: sustainable transport development, sobre o futuro da mobilidade urbana e os caminhos para a mobilidade ativa no cenário pós pandêmico.
Na tradução do ensaio de Saskia Sassen, a pesquisadora da globalização e da migração humana internacional desenvolve seu conceito de que a cidade possa ter uma voz. Seguindo exemplos quotidianos de dinâmicas “ritualizadas”, a socióloga elabora o que é produzir o urbano, o político e o cívico, ressaltando a importância da heterogeneidade em oposição à padronização e o controle por instituições.
O ambiente doméstico e o seu redor é retratado na seção Olhares por Amanda Rodrigues Vera, Gabrielle Rocha, Isabela Moraes e Julia Frenk. As quatro jovens arquitetas expõem visões familiarizadas do que temos vivido e revivido, visto e revisto no contexto pandêmico.
Fechamos a edição com a resenha do livro Arquiteturas da Ancestralidade Afro-Brasileira, que trata da investigação feita por Fábio Velame acerca do culto a ancestrais africanos e afro-brasileiros em Omo Ilê Agboulá. Ancorado em contextos históricos, relatos e vivências, Velame desenvolve e ilustra os fundamentos da cosmovisão do candomblé, evidenciando de que maneiras eles implicam na constituição da espacialidade do terreiro de culto aos Egum no Brasil.
Desejamos uma boa leitura!